sexta-feira, 16 de abril de 2021

A Cleinha

  Pra falar a verdade, nunca me passou pela cabeça falar sobre a Edcleia Clemente, quem nos conhece, sabe de nossas pendengas e discussões, essas coisas que só amigos fazem...brigam e não se separam nunca.

  Tudo começou nos tórridos anos 80, se eu sou velho...ela é apenas alguns anos mais nova, quando partíamos pras farras, ela e um bando de guris vinham pra nos seguir, é claro que eu dizia:

  _Nenêm, volta pra casa, quando você crescer a gente te leva, mas, o fato é que ela nunca cresceu.

  O tempo se passou e continuamos morando na mesma rua, constituímos famílias e continuamos a nos conversar e nos contrariar, sendo ela muito pequena, nunca consegui separar a pessoa dela de uma boa piada.

  Chegou o tempo do Dínamo e ela se apresentou, canhotinha e de boa estatura, me serviu como uma luva e, apesar de ser uma das mais velhas do grupo, passava em campo a impressão de juvenil.

  Nunca nos tratamos com intimidades durante os treinos e jogos, sempre foi o comandante e a atleta, fora disso, éramos os amigos de sempre.

  E, por ser assim, eu a respeitava pelo esforço, se para a maioria das meninas era complicado cumprir os horários de treinos, reuniões e jogos...imagine pra ela, que tinha uma penca de filhos.

  Tirando esse esforço, notei que, de todas as jogadoras do plantel, a Edcléia era a única que não se machucava em campo, sempre que acabavam os jogos, saíam as atletas reclamando de dores, ela saía dos jogos limpa, ainda com a camisa por dentro do calção, como se tivesse ido passear, se quisesse poderia entrar no ônibus do mesmo jeito que saía do campo.

  Num certo ponto, isso começou a incomodar a jogadora, a torcida gosta de quem se mata em campo, de quem apanha, de quem se joga no lance mais improvável, essas pessoas são aclamadas, recebem as palmas e seus nomes são ovacionados.

  A cada jogada emblemática, um nome era suscitado, vivendo num céu de almirante, a Edcléia era esquecida, era só a lateral que completava o time.

  Incomodada com essa  situação, foi me procurar:

  _Niltão, por que ninguém me bate???

  A vontade foi de rir, me contive e expliquei:

  _Somente as pessoas que se destacam incomodam, aos olhos das adversárias, você é invisível.

  Quando você mostrar do que é feita...

  Dito isso, torci pra que as palavras caíssem em solo fértil e florescessem.

  O campo do Lageado ficava em Itapevi e, já fazia fronteira com o "onde Judas perdeu as pregas", fomos além disso, o campo em questão ficava no meio de uma densa mata e tivemos medo de encontrar uma onça, sem saber que a onça vinha conosco e usaria o azul e branco do Dínamo.

  Essa partida teve 3 pontos marcantes 1-A Katita fez os 4 gols da partida.2-A Arlete cumpria castigo e ficou ao meu lado.

  Edcléia ressurgiu dos mortos.

  Viramos o primeiro tempo perdendo por 4 x 0 e, vimos a lateral esquerda mostrar garra, já estávamos ensaiando os cumprimentos.

  Como o Dínamo sempre foi um time de segundo tempo, empatamos o jogo, o fato é que a pequena lateral estava infernal, a cada jogada dela gritávamos a admiração, numa marcação perfeita, ganhou corpo e esticou a bola no espaço vazio, dominou com elegância pela ponta esquerda, tudo muito lindo...até que uma zagueira veio de carrinho e interrompeu-lhe a corrida, ela vinha a tanta velocidade e o choque foi tamanho que, antes de aterrar no solo, seu corpo girou sobre o eixo, uma cena que faria inveja à um doublê profissional.

  Diante da violência, nosso time protestou, o próprio time adversário protestou e quase bateram na zagueira, entrei em campo pra socorrer a atleta, ela chorava de dor, abaixei-me e coloquei uma mão na parte superior das costas, com a outra mão segurei as pernas juntas, ergui-a no colo e caminhei, o espaço que percorri até a lateral do campo foi solene, coberto por palmas...os dois times aplaudiam a caminhada de uma heroína.


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O Niltão sempre foi esquisito mesmo