domingo, 18 de abril de 2021

Uma mentira não faz mal

  Dir-se-ia que a mentira é um dos pecados capitais, ninguém vai abertamente dizer que o uso dela é recomendável, de fato ela é um grave deslize de caráter e traz consequências irreparáveis, mas, existem casos e momentos que a verdade dita não é recomendável e, assim aconteceu:

Quando marquei uma partida, que valia troféu contra a seleção de Sapopemba, já vieram duas mentiras embutidas nessa ligação, a moça não disse se tratar de uma seleção, somente um time comum de bairro, a segunda mentira saberíamos no endereço marcado.
Atravessamos a cidade de São Paulo de terminal em terminal, saindo do extremo da zona oeste e chegando à zona leste, exatas três horas de viagem, um clube pequeno de periferia, no primeiro andar, acima da quadra de futsal havia uma churrascaria e era um domingo de muito calor, dentro da quadra abafada a temperatura ia aos 50 graus fácil.
Endereço certo e adentramos a arena, as adversárias assim que avistaram nosso time sorriu, comparadas ao nosso time, elas eram desproporcionalmente maiores, cada marra de mulher que se podia medir por arroba, nossas meninas coitadas mirradinhas, fazia dó mesmo.
Na preleção do evento escolhemos um lugar na arquibancada e nos juntamos, as meninas, os filhos, a comissão técnica e os acompanhantes, fui ter com o organizador do evento e descobri que se tratava de uma seleção paulista e, na verdade, eram dois times que teríamos que enfrentar, pela regra da várzea esse seria o compromisso que assumimos sem saber, a segunda mentira.
Ia voltando para o time na arquibancada, onde as meninas da casa, visivelmente em vantagem de estatura, hostilizavam as visitantes, resolvi encaminhar-me ao setor da bocha, queria colher informações sobre o que eu iria enfrentar, esses veteranos costumam saber tudo sobre o clube.
Dos senhores tive todas as informações, que eram essas:
Essas, donas da casa mantêm um recorde de vitórias, 4 anos sem perder para ninguém, todo time que as desafia, sofre goleada.
De quebra, recebi um conselho:
_Eu, no seu lugar, voltaria para o lugar de onde saiu.
O senhor mais velho de todos me disse isso na lata mas, me segredou um pormenor:
_Apesar disso, elas não são muito queridas pela torcida, se é que me entende.
Me despedi dos senhores e voltei para o meu canto, com o meu escrete, cerca de trinta segundos, o tempo suficiente para um plano.
Assim que me sentei na arquibancada, diante dos olhares aflitos das minhas meninas, passei as informações arrecadas, palavra por palavra que me foi passada:
_Bom, apesar das caras feias e da falta de educação dessas monstras, o futebol delas é medíocre, vocês acreditam que elas jamais venceram uma partida???
Subitamente a expressão de medo das garotas do Dínamo desapareceu, sorrisos largos e uma ponta de pena do time da casa.
Quando passei-lhes a informação de que teríamos que jogar duas vezes foi uma festa, feito todas as categorias, as meninas não fugiam à regra, todos fominha.
E depois que dividi o time em dois adentramo a quadra, as meninas sem saber que entrariam numa armadilha e eu, sonso, com um plano traçado.
O juvenil, que na várzea é chamado de segundinho, vencemos fácil, porém, no decorrer da partida, eu trocava uma atleta forte por uma regular, nosso time perdia no rendimento, então voltava o alto nível, quase no fim do jogo a torcida delas era nossa, alguns gritos de admiração ao time visitante se ouviam, primeiro troféu na mão.
O jogo principal, calor insuportável e do outro lado o bicho papão, nossa craque
Adriana Dourado
mede um metro e sessenta, a mais baixa do time adversário media dois palmos a mais que isso, no começo da partida ela sai costurando pela quadra, dribla o time todo, tira a goleira de lado e toca para a Arlete sem ninguém para defender, depois dessa, se ainda havia algum torcedor relutante, essa entra na festa.
Magicamente a torcida faz parecer que o Dínamo era o time mandante, elas tem um incrível volume de jogo mas, o nervosismo da torcida contra as atrapalha, esquecem a tática e partem para a violência, caçam as nossas atletas na quadra, o árbitro é da casa e é complacente, marca as faltas mas, não adverte nem mostra cartões.
Olhando o relógio na parte superior da parede central da quadra, peço tempo à mesa, faltam cinco minutos apenas, tenho um último trunfo na manga, uma última mentira.
Minhas meninas estão exaustas, 7 x 7 no placar, todas querem ouvir:
_Adriana, a próxima falta que você sofrer, por mais leve que seja, caia como se tivesse quebrado um osso.
Reinicia o resto do jogo, o time da casa muito mais cansado que o nosso, parece satisfeito com o empate mas, a Adriana não quer colaborar com elas, finta duas e chama as outras para o olé, falta nela.
A Adriana se contorce simulando uma dor insuportável enquanto é carregada, senta-se ao meu lado, mando a Cris entrar em quadra.
A torcida pede justiça e xinga o time da casa, sabendo que a Adriana não vai voltar, tocam a bola, toque ensaiado.
O relógio agora está zerando o tempo regulamentar, me levanto do banco e grito:
_Sai Cris.
Quando elas perceberam que a Adriana estava de volta era tarde demais, do lado da defesa ela dominava a bola, partiu em diagonal e fintou as quatro da linha, ajeitou o corpo e desceu a castanha na goleira, assim que a bola escorreu na rede a sirene tocou.
O bicho papão do Butantã levou mais dois troféus para a sua casa.

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O Niltão sempre foi esquisito mesmo